terça-feira, 24 de novembro de 2015

Artigo Jornal

REPÚBLICA DE LAMA
Artigo publicado no Jornal Diario de Caratinga (17/11)



15 de novembro de 1889, o Império comandado por D. Pedro II não suportou a pressão política imposta pelos seus adversários e através de um plano desenvolvido por várias correntes de opositores e transfigurado em forma de golpe militar, inicia-se o período republicano da história do Brasil.
Nestes 126 anos de república vários fatos poderiam ser citados para caracterizarem este longo período. Passado pouco mais de um século do fim do Império ainda assistimos o engatinhar de um país que tenta encontrar os rumos de uma nação republicana.
O fato ocorrido recentemente em Mariana, mas que ainda se arrasta pelo leito do Rio Doce cortando uma série de cidades, permite-nos uma reflexão sobre a nossa república. Simboliza com perfeição o que vem se tornado dia após dia a República Federativa do Brasil.
Desde o início do ciclo do ouro quando o Brasil ainda era colônia de Portugal, a mineração sempre atendeu a interesses particulares. Os senhores que se afortunaram com o ouro das Minas Gerais nunca passaram de uma “meia dúzia” de pessoas. E desde aquela época o meio ambiente, as pessoas mais simples nunca foram sequer percebidas. Pelo contrário, sempre tratadas com descaso. Mas o nosso assunto é a república! E o que mudou com a Vale agora Samarco? Nada, os interesses são os mesmos, os que lucram são os mesmos (a “meia dúzia”) e a grande maioria, literalmente está na lama. Sendo relegada ao nada!
Mas não seria uma atitude irresponsável depositar toda a culpa somente na Samarco, que é uma empresa de capital misto (privado e governamental)? Acredito que sim! Ela é a responsável direta pelo empreendimento e deve arcar com toda a sua responsabilidade, que olhando pelo viés financeiro, para ela não é absolutamente nada. Mas olhar só financeiramente é muito pouco quando estamos falando de pessoas, aí meu caro leitor, não haverá preço que poderá pagar a dor, o sofrimento, as perdas de entes queridos e tudo mais que está envolto nesta tragédia.
Agora, penso ser enganoso depositar somente na empresa a responsabilidade pelo acontecido, acredito que vários outros fatores colaboraram tão decisivamente para que aquela barragem de lama estourasse e se transformasse nesta catástrofe que estamos vivenciado ao longo do percurso do assassinado Rio doce.
E que fatores são estes?
A omissão do Estado, que ao longo dos anos faz vista grossa para os problemas que não lhe interessa resolver de fato. Finge não ver os problemas em troca de apoio (dinheiro) para o financiamento de campanha eleitoral. Basta verificar que a empresa é doadora de elevados recursos para inúmeras campanhas.
A negligência das autarquias responsáveis pelo setor. Onde estão os órgãos fiscalizadores? Por que eles não atuaram como deveriam? Por que prevaricaram? Se omitiram? Silenciaram? Teoricamente todo empreendimento da dimensão da Samarco deveria ter uma série de documentos, relatórios, análises de impactos ambientais e sociais que tratam de todas as questões que envolvem a atividade por ela realizada. Não somente durante o processo, mas que resguardem futuros problemas que possam vir acontecer. Se a empresa e o Estado foram pegos de “surpresa” onde estão os documentos que deveriam ter sido feitos? Certamente foram preenchidos, carimbados, aprovados, conduzidos aos órgãos executivos, assinados; portanto passaram por todas as etapas que o protocolo exige, inclusive o da propina, o da corrupção, que faz com que as coisas, mesmo estando erradas caminhem como se estivessem certas. Na esperança de que nada imprevisto ocorrerá.
Enquanto o interesse particular ou de grupos que fazem de tudo para manter-se no poder for maior que o interesse coletivo, podemos ter certeza que outras tragédias virão, da mesma forma que sabemos que esta não foi a primeira da nossa história.
126 anos de República! 126 anos de República da Lama, pois a grande maioria de nós sempre esteve atolada nela, pena que agora, infelizmente, de forma literal. Os males dos bastidores da república infiltraram-se nas salas e antessalas das empresas, em diversas contas bancárias espalhadas pelo mundo, nas ondas dos celulares, nos crimes de colarinho branco ou colorido, nos interesses espúrios e mesquinhos daqueles que insistem em dizer que governam, tudo sem nenhum pudor ou preocupação com as pessoas que podem ser de alguma forma afetadas.
Walber Gonçalves de Souza é professor.

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